domingo, agosto 26, 2007

Uma mulher certa vez perguntou ao seu marido:
"Por que me amarras todos os dias em teu punho?"
Ele disse: "para que não saibas o quão grande o mundo é. "
então tive de dizer a ele que eu sabia sim da grandeza da terra, e dos seus homens, e das suas guerras, e dos seus povos, e das diferenças, e dos possíveis certos grandes amores que a cada dia perdia por me querer estar ao teu lado.
Ele, assutado, quis me desatar das amarras, e disse: "Se já sabes tudo isso é porque não te deves estar presa a um homem. Triste é a confirmação da sabedoria. Vai. "
Eu, então, livre e perdida corri até o terreiro de nossa casa, também muito assustada, mas desejosa. Confusa como quando se solta passrinho criado em gaiola. O sol batia plenamente sobre a criação e sobre as árvores, num instante em que até o vento se quedou silencioso. Esperei, meio à espreita, certa de que ele viria bravo me resgatar. E nada. O caminho depois da porteira era sinuoso e comprido. E nada. Até que pude ouvir como um choro de um homem, coisa que jamais ouvira. O som dos animais e do vento reviveu. Era ele, chorando doído, talvez remuendo seus mistérios internos, ou mesmo já de dor de solidão; mas não solidão de minha parte, pois eu estava alí atrás da porta de madeira, no terreiro; devia de ser solidão de si mesmo, de sabedoria. Chorava como uma criança sufocada pela anca estreita da mãe. Meu coração então disparou, senti um troço no peito que nunca tinha sentido. Sabia que estava perdida e, chorando, atravessei a porteira da minha vida.

domingo, agosto 05, 2007

Para Arnaldo

Ela sempre dizia:
Escrevo porque não sei lançar flechas,
e mordia o lado esquerdo dos lábios.
Eu sempre dizia a ela:
Mas você pode ter filhos, folhas a mais
e a beijava no canto direito da boca
para que o sangue nâo me contaminasse.

quinta-feira, agosto 02, 2007

oh,
eu que me vi refletida nos olhos molhados de uma garota,
menina pequena mas sábia,
tenho que jurar a mim todos os dias tentar não decifrar aquele olhar
senão enlouqueço.
a pele das pálpebras vermelhas, vivas
a intimidade vermelha de um casal.
eu que sem teu amor volto a ser a menina de olhares perdidos
indecifrada no colo dos pais.
oh, se meus olhos agora te refletem,
te descrevem,
me soltam pluma no vendaval,
e me tiram de você.
Mas não aceite! Sou eu quem implora, mesmo sendo eu a desertora.
Me prenda logo, essa menina chorosa
e não deixe que eu morra,
escorra pelos olhos perdidos de menina pequena.