quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Como um suspiro

A mulher e o menino. Assim, frente a frente, filho e mãe, um do outro, por entre os dois uma taça esguia lambusada de chocolate. Esta fazia barulho, mais do que, ou era invenção dos meus ouvidos? Era assim, neste silêncio, só dos dois, que a mulher cuidava e mostrava seu amor ao pequeno.
Grandes olhos verdes para pequenas amêndoas pretas. E o silêncio...que só. Mas era assim, como se nada fosse preciso dizer que acontecia. Apenas o necessário.
Havia uma certa inquietação ali: ele por querer se agitar, ser como se é quando se é assim novo; ela, talvez, por querer um amadurecer dele, por querer dizer ao filho que é assim mesmo; somos dessa fôrma, forma: as vezes é bom outras nem sempre; que se sofre mesmo, mas que se sofre menos quando reconhecemos tudo assim, do jeito que se é e que ela, na verdade, não é assim tão infeliz quanto lhe pareça, mas que a felicidade dela é diferente, pois tem uma certa melancolia já que quase nunca contém o choro por coisas banais; que pode soar estranho, mas que ela morre a cada pouquinho de vida, cada suspiro e que no fundo tudo isso é de uma beleza infindável que até chora. Que ele devesse se acostumar com essas coisas da vida, a taça suja de chocolate, por exemplo, e os dois ali tão de olhos nos olhos, era, para ela, um dos momentos mais felizes de mundo e que se não estivesse tanta gente ali, até choraria. E que nem por isso era preciso dizer alguma palavra.
Tentava dizer ao pequeno, quem sabe, que viver é muito bonito, mas quando se é calmo para as coisas da vida, quando se aceita viver a vida; que ela, no que chamam de rotina de vida: de filho, de homem, de casa, de roupa, de comida, de filho, de homem, de cama, de mulher, era feliz e não que fosse um pouco contentar-se, mas que era o troféu do seu tão singelo sonho de vida.
O filho, ainda de olhar brilhante como se quisesse explicar tanta coisa àquela mãe, ouvia o silêncio do instante como se compreendesse os ensinamentos da mãe; mas, talvez, ainda sem jeito, quisesse dizer: Mamãe, eu sei. Obrigado, mas ainda não é a minha hora de compreender tanto a vida quanto a senhora. Mas obrigado, nunca esquecerei. Quem sabe não pedir a conta fosse um bom começo para se viver? Enquanto posso levarei as coisas mais levemente: cama, comida, banho, brincadeira, comida, risadas, mãe, pai, casa, vida, cama.
Os dois se olharam por mais um bom tempo. A conta veio sem que pedissem, como se o garçon adivinhasse o momento certo. Ela sorriu, pagou e com o cantinho da boca sujo de chocolate saiu com o menino, risonho por ver a mãe assim como que lambusada e tão doce agora. Andaram alguns metros até que a esquina os escondesse.

4 comentários:

Anônimo disse...

coisa linda! li, li e vou reler...

Anônimo disse...

Você me surpreende rapaz. Quando penso que a subjetividade dos seus textos vai me engolir, você me acerta com uma paulada bem objetiva na boca do estômago.
Simplicidade, beleza e mudez me tocaram hoje.

Fred Bottrel disse...

suspiro

Anônimo disse...

boca seca, arrepios pelo corpo, sumo de agua que escorre pelos olhos quando o coração se aperta...

isso daqui me faz bem sabia?
Isso daí também.

Caio, Assis, Clarice....
que bom...que bom!