quarta-feira, fevereiro 15, 2006

[ r e t i c ê n c i a s ]

Ana, minha filha, não mexa neste copo; esta água é da mamãe. Só da mamãe. Vamos querida...e Tom? Já disse que não quero saber de você de interesse nesta gaveta velha! Crianças, para o quarto! Olhem a Clara como dorme; quero vocês assim. Deitem. [ e deitaram caídos de sono. disse a eles que ] a mamãe vai contar uma coisa para vocês: hoje, não como o tempo vivente, mas como um tempo histórico; é porque já fazem 10 anos e eu___ olhem para a mamãe, tenho já 43 [ as crianças olharam como se ]. Há algo que é preciso dizer-lhes: demora-se mesmo aceitar as formas, até por conta disso que me perco [ me perdi entre quatro olhinhos sonolentos ] e até as palavras, elas me fogem todas. Perdoem mas agora mesmo não era isso que eu gostaria de falar. Preciso que ouçam e ainda são tão jovens. Oh! Quando não se consegue viver a brutalidade real diária, como o pão, este: o melhor exemplo! o pão que se compra todos os dias às 17:00 horas; assim meus filhos, vive-se de enganos como vivi. Eu: onde vai-se para a cama de coração quente, mas de pernas frias e com o tempo, um tempo talvez de 10 anos, assim, com o tempo crianças: o gelo das pernas irradia para o ventre de mulher. Pretrifica. Consome-lhe os seios: um câncer nas vísceras [ a cria já toda ela dormia ], a pele com o tempo vai sendo toda manchada e já não se pode chorar. Decide-se. E perdoem se abro os cantos da boca, mas esta mãe, que antes mulher, agora sêca. E de que serve uma mulher que não pode mais chorar? Icapaz de si.
É que quando se nasce errado, faltando uma parte, não se deve procurar a outra. Deve-se aceitar, ouçam bem. Sabem o motivo? Corremos o risco diário de encontrar a outra parte até mesmo no trajeto da padaria e encontra-se; mas um dia, sem grandes motivos, esta metade vai embora, como se houvesse encontrado sua outra metade que não eu, então o que sobra não é a minha metade e sim talvez um quarto dela. Ora crianças, é a mamãe quem diz, um dia aprenderão a matemática de viver.
É por isso: hoje como história de minha vida, como chuva que troveja para se anunciar, hoje resolvo e caio como que do céu e sem medo da queda me caio toda de um alto e fecho os olhos, apenas aceito, ultrapasso minha velocidade e chovo no chão [ era melhor mesmo eles continuarem a dormir ].
Apenas ouçam: não deve-se viver por 10 anos numa mesma estação. Existe o mais além, como as viagens que só vão. Tom, querido, quando se tem 9 anos a gente se assusta mesmo com as mamães, mas quando no outro dia se acorda: não lembramos de nada passado e vive-se tão bem! Tão bem que até não damos conta. Amanhã a engrenagem desta casa há de funcionar. [ abracei o pequeno ] Ana, você dorme e parece sonhar com tantas coisas! E de boca aberta parece estar com sede, parece sonhar com o copo de água da mamãe. Só do mamãe. Minha querida, um dia econtrará o seu, mas esta água, meus filhos, é quem me pagará os 10 anos. Insuportáveis; mas insuportável sou eu. Perdão se estou sendo dura demais.
Tom, Ana e Clara, vocês são tão pequeninos, mas valerá a pena: é preciso morrer a cada segundo vivido e esquecer. Eu queria um tempo único do insntante milesimal, do vivo-morto; só assim conseguiria ser plena e 10 anos não seriam nada porque não se contaria o tempo. Não haveria tempo hábil para se criar juízos de valor, não haveria a felicidade mas também a tristeza. Apenas seríamos; não haveria memória, somente o agora já morto e então transcenderíamos.
Desculpem a mamãe se incomodo o sono de vocês [ não se mexiam, mas sabia q de alguma forma eu estava sendo útil ].
A água, Ana, é para matar minha sede; regar esta alma seca em que me tornei. Ao bebê-la também dormirei, o mais secreto sono, ao lado de vocês. Boa noites queridos. Boas vidas [ bebi e chorei como daquela vez em que despenquei dos céus; mas agora o fim parecia nunca chegar e eu despencava como quem não acha o fim entre dois espelhos, me desfacelava toda, desintegrava em partes de mim, úmidas pelo choro eterno; mergulhava feliz no puro vento; uma euforia não de quem encontra um ponto final, mas as [. . .]

2 comentários:

Anônimo disse...

Mas esta mãe, que antes mulher, agora sêca. Uma mãe será sempre uma mãe e suas dores sempre virão deste fato. Em compensação suas alegrias jamais serão vividas por qualquer outro ser humano. Ah! que pena, jamais poderei ser mãe.

Anônimo disse...

vc é mesmo um "ótimo" comentarista thell!!!
ai meu deus