Boa noite meu bem!Quantas surpresas...Hoje choveu sangue! A rua está repleta de corações encarquilhados pululando pelos paralelepípedos.Levantei muito cedo e fechei as janelas do nosso quarto. Na mesa da sala, um copo de vidro, esbranquiçado de leite, ainda conservava gotículas de água. Era recente sua saída. Arrumei nossa cama e fiz uma prece para que o sangue da chuva não te atingisse e manchasse as roupas. Tornei a encher o copo com leite gelado. Procurei as marcas de sua boca no copo e tomei o leite beijando aquela superfície lisa da borda que se fazia você. O primeiro beijo do dia. Tomei um banho demorado, daqueles que enfumaçam todo o banheiro. Estava pronta. Liguei a televisão e o telejornal mostrava uma matéria sobre o fenômeno meteorológico que assolara a cidade. Na tela, imagens de pessoas resgatando os corações murchos, guardando-os nos bolsos, sacolas, pastas, carros, até mesmo embrulhando nos casacos e levando-os para si. As pessoas corriam muito, trombavam, brigavam pelos corações. Era confuso. Pelas imagens, para o meu espanto, também te vi recolhendo corações.Espanto.Espanto.Silêncio.Transcorreram algumas horas no relógio da cozinha. O resquício de leite secara no fundo do copo. Deu nata. Liguei para o chaveiro e troquei o segredo da fechadura da porta. Meu segredo.Este bilhete deixo pregado do lado de fora da casa.Aqui só há lugar para dois corações: o seu e o meu. Será que fiz certo?Será que eu não teria feito o mesmo no seu lugar?Não sei. A chuva de sangue acabou de recomeçar e mancha as janelas do nosso quarto.
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